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Delas • 02/02/2018 - 11:00 • Atualizado em: 02/02/2018 - 11:00

O Carnaval não seria o mesmo sem a presença delas

Elas dedicam suas vidas para que a festa seja inesquecível. Conheça três mulheres que são parte imprescindível da história do Carnaval pernambucano

por Paula Brasileiro

O Carnaval é uma das mais fortes expressões da cultura brasileira. Substancialmente, feito por pessoas, são elas foliões e brincantes, que imprimem à festa seu colorido, alegria e emoção. Pernambuco possui um dos maiores Carnavais do país, construído pela garra e amor de muitas mãos. Entre elas, algumas mãos femininas, de mulheres que dedicam suas vidas para que a festa mais esperada do ano seja sempre inesquecível. Conheça algumas dessas mulheres que fizeram do Carnaval pernambucano sua própria história.

 
Dona Dá
 
Quando o amor pelo Carnaval é tão grande, ele acaba transcendendo os portões da sua casa. Foi o que aconteceu na vida de Jobecilda Airola da Silva, a Dona Dá. Nascida no Recife, a menina se criou pelas ladeiras de Olinda, convivendo com blocos, troças e o colorido da folia olindense. "Tenho frevo no sangue", afirma Dona Dá. Já adulta, após ficar viúva, ela decidiu fixar residência na cidade que lhe rendeu o tipo sanguíneo. Na rua da Boa Hora, Dona Dá não só mudou seu endereço, como o Carnaval dos vizinhos e de uma multidão de foliões.

Insatisfeita com o marasmo que havia se instalado na Boa Hora, ela bolou uma maneira de encorajar os blocos a passarem por lá durante os dias de Carnaval. Era o ano de 1984, Dona Dá juntou os vizinhos e começou a presentear as agremiações com troféus. Deu certo e várias delas incluiram o logradouro em seus trajetos, até os dias de hoje. Os presentes são confeccionados por vários artistas plásticos e para custeá-los a vizinhança promove festas e rifas. "A gente espera o ano todinho para o Carnaval. Quando a pessoa sabe brincar, é maravilhoso, não tem coisa melhor", diz Dona Dá com tom apaixonado.

Em 2000, ela convidou o artista Antônio de Nóbrega para visitar a Boa Hora na quarta-feira de cinzas. Foi preparada uma grande recepção com frutas, cachaça e alguns grupos de boi chamados para participar da festa. O grande convidado não apareceu, mas os bois, sim, e a festança não deixou de acontecer: "Tudo aqui é graça", brinca ela. E é tanto que o evento virou o Encontro de Boizinhos, e é hoje parte integrante do calendário oficial do Carnaval de Olinda. Já se vão 18 anos, e os boizinhos continuam se reunindo, na quarta ingrata, para reverenciar Dona Dá, receber seu troféu e as frutinhas banhadas em cachaça que ela tanto gosta de distribuir.

A foliã mais importante da Cidade Alta já foi homenageada duas vezes pela sua cidade, tendo sido, inclusive, a primeira mulher a receber a honraria em um Carnaval. Ela também é uma das presidentes do bloco Mulher na Vara (comemorando 25 anos em 2018), que faz sua saída nas segundas carnavalescas, às 11h, e garante já estar tudo preparado. Aos 80 anos, portando um marcapasso, ela demonstra o mesmo amor e energia dos tempos de menina para brincar sua festa preferida: "Não sei como vai ser quando eu não puder mais, mas enquanto eu puder, estarei aqui".

Marize Félix

A história de vida de Marize Félix pode ser contada como um dos capítulos de uma das escolas de samba mais importantes de Pernambuco, a Gigante do Samba. Ela faz parte da terceira geração da família fundadora da agremiação e brinca na escola desde os sete anos de idade. Aos 17, passou a ser Rainha de Bateria, posto que ocupou por seis anos. Em 2009, entrou na diretoria da Gigante e, hoje, aos 45 anos, está na vice-presidência. Sua responsabilidade é grande, o amor pelo samba também, e é com ele que Marize cuida da escola e de toda uma comunidade que, assim como ela, é apaixonada pela verde e branco do Recife.

A Gigante do Samba é campeã invicta do Carnaval recifense e acumula 11 títulos consecutivos. Marize tem atuação determinante neste sucesso, cuidando dos detalhes de perto com uma força de vontade que anda de mãos dadas com a delicadeza com que fala e age. "Eu respiro Gigante", se declara. O marido, Lacerda, e o filho, Xangai, também fazem parte da agremiação. Este último desfila na bateria e Lacerda é o atual presidente da escola. O trabalho é pesado para que tudo funcione numa agremiação de elite como esta, e os problemas, às vezes, fazem Marize vacilar por um instante, mas é só por um instante mesmo: “Quando eu penso no que Gigante significa na vida da gente, da minha família, eu retomo, e com força”.

A dificuldade de manter a escola é imensa pela falta de apoio privado e, sobretudo, do poder público - Marize precisa enfrentar, também, algo bastante presente na vida de qualquer mulher, o machismo. Ela conta que alguns homens do meio, por vezes, tentam vencê-la "no grito" e ela precisa se impor a todo momento: "É muito difícil você ser uma líder feminina no meio desse machismo. Isso está muito entranhado na nossa cultura. Mas, se gritar, eu grito também”, diz sem se intimidar.

Aliás, a atuação de Marize fez da Gigante uma escola ainda mais feminina. Quando assumiu a diretoria, ela passou a delegar a outras mulheres funções de coordenação. Rapidamente, foram aumentando os números de musas, destaques e até a ala da velha guarda ganhou mais integrantes, hoje são 18 para 12 homens. Ela acredita que houve um movimento de identificação e a mulherada sentiu-se mais à vontade para chegar junto: "Temos mesmo que ocupar todos os espaços".

O resultado geral dessa mão feminina dentro do samba pernambucano são vários títulos de campeã e a valorização de uma agremiação tão tradicional, sem contar na satisfação pessoal de uma brincante ao ver sua escola brilhando na avenida: “A sensação é de realização e de dever cumprido. Tudo ali é o resultado de amor, de esforço, é uma emoção muito ímpar”.

Adriana do Frevo

É fácil reconhecer o Carnaval em Adriana. Nascida em novembro (mês dos 'filhos de Carnaval'), no bairro do Carmo, em Olinda, e passista desde os 12 anos, não é à toa seu sobrenome ser 'Frevo'. Adriana do Frevo é responsável pela formação de inúmeros bailarinos, alunos da Cia. Brasil por Dança, da qual ela é uma das fundadoras, e há 32 anos fez do ritmo pernambucano sua profissão, que ela desenvolve com muita dedicação e amor.

Quando menina, Adriana acompanhava as aulas de frevo no Clube Vassourinhas, em Olinda, do lado de fora por não ter condições de contribuir com a taxa que era cobrada dos alunos. Foi aí que o mestre Nascimento do Passo abriu as portas do clube para ela, e outras tantas crianças e jovens, e o relacionamento da menina com a dança começou. Além de uma carreira brilhante, o frevo possibilitou à Adriana o acesso ao estudo, e a lugares nunca antes imaginados pelos quais ela passou dançando. Hoje, aos 44 anos, ela é acadêmica e multiplicadora dos ensinamentos que acumulou ao longo de sua trajetória: "Eu sou frevo do começo ao fim. Não posso mudar o que está dentro de mim. A minha marca é o frevo".  

Adriana faz parte de um projeto social que ensina a dança no Clube Vassourinhas gratuitamente para crianças, jovens e adultos. Ela mantém o trabalho com responsabilidade e comprometimento: "Eu quero devolver tudo aquilo que eu fui contemplada". E faz questão de frisar que o trabalho é feito com a ajuda de muitas pessoas, sobretudo, do Vassourinhas, que cede o espaço sem cobrar nada: "Nós temos muito respeito por essa tradição. Trabalhamos para que o frevo possa ser multiplicado".

Filha de uma mãe que precisou criar sozinha as quatro filhas, Adriana aprendeu desde cedo a ser forte. Ela precisou enfrentar alguns preconceitos por ser uma mulher que dançava, mas os ensinamentos da mãe e sua personalidade forte não permitiram que ela se abalasse: "No começo foi muito difícil mas a gente tem que se colocar. Quando a gente faz o que gosta e aquilo não denigre a sua imagem, tudo dá certo".

Em 2018, Adriana do Frevo foi escolhida, por voto popular, para ser uma das homenageadas do Carnaval de Olinda. A maior festa da sua cidade, aquela pela qual ela se dedicou por toda a vida, neste ano, lhe presenteou com tal honraria. Ela revela ter ficado surpresa com o resultado da votação e que só a indicação já havia lhe deixado maravilhada: "Estou muito lisonjeada, muito feliz". É fácil reconhecer o Carnaval em Adriana, como já dissemos lá no início, os olindenses também têm a certeza de que a passista que leva o frevo em sua certidão é a cara do Carnaval de Olinda.

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