
O carnaval, além de ser a festa mais esperada do ano, é também uma ferramenta de conscientização e luta contra o machismo e o assédio. Nos blocos, por exemplo, a campanha "Não é Não!", realizada por um grupo de mulheres de diferentes cidades brasileiras, sai às ruas para combater a falta de respeito durante a folia.
A administradora de empresas Luiza Borges Campos, 29 anos, explica que a ideia da campanha surgiu há dois anos após uma das integrantes do coletivo sofrer assédio sexual no pré-carnaval, no Rio de Janeiro. Ao compartilhar o fato com as amigas, o grupo descobriu que outras mulheres também já haviam sofrido desrespeito. As mulheres decidiram então que precisavam tomar alguma atitude para combater esses casos e para que tanto elas quanto outras mulheres se sentissem mais seguras durante a folia. "Lá no Rio, essas mulheres criaram um grupo no WhatsApp e foram adicionando as amigas, resultando em 40 mulheres que conseguiram financiar a produção de 4 mil tatuagens [temporárias] e que foram distribuídas no carnaval", conta.
Após o sucesso da ideia, o grupo decidiu fazer um financiamento coletivo. No ano passado atingiram a meta de R$ 20 mil, e as tatuagens foram distribuídas no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Brasília, Pernambuco e Salvador.
Tatuagem removível passou a ser distribuída nos principais carnavais do país | Foto: Divulgação
"Este ano a gente tinha mais demanda e formamos uma rede de embaixadoras com uma mulher em cada estado responsável pela arrecadação, produção e distribuição das tatuagens. Ao todo, são nove estados que aderiram a campanha", explica Luiza. "Além dos estados que participaram no ano passado, temos o Paraná, Pará e Goiás. Este ano arrecadamos R$ 82 mil com a participação de mais de 1.400 pessoas e vamos produzir mais de 100 mil tatuagens", complementa.
Segundo a organizadora do "Não é Não!", o objetivo do coletivo é um trabalho de educação para que essas pessoas entendam o que é assédio e o que é respeito. "A intenção final é que todo mundo entenda isso e que, em algum momento, nosso trabalho não seja mais necessário”.
O bloco “Pescakinada”, em Guarulhos, aderiu à campanha em seu desfile, no último dia 17. O organizador do bloco, Thiago Moises, 40 anos, conta que tem participado de vários fóruns relacionados a blocos de carnaval e em um deles apareceu a proposta do coletivo "Não é Não!". De imediato, ele abraçou a ideia. "Pretendemos continuar a parceria com o coletivo, não somente nos blocos, mas também nas nossas ações sociais, esportivas e culturais", comenta Moises. "As pessoas ainda são sem educação. O assédio está tão enraizado no país que se faz necessário criar ações como essas das tatuagens para alertar contra essa falta de respeito", complementa.
Mulher exibe tatuagem removível que usou no bloco "Pescakinada", em Guarulhos | Foto: Divulgação
A estudante de pedagogia Amanda Pereira, 25 anos, relata que já foi assediada enquanto se divertia em um bloco de carnaval no ano passado. Na ocasião, embora o público fosse em sua maioria LGBT, um grupo heterossexual masculino estava presente e um homem tentou beijá-la à força. Outro rapaz teria apertado o bumbum de uma amiga. "Foi bem frustrante, pois nós paramos de curtir o bloco para discutir com os homens que nos assediaram e é claro que eles acharam ruim", conta.
Amanda acredita que na iniciativa do “Não é Não!”, mas gostaria que não fosse necessário o uso de alertas pelo corpo contra os assediadores. "Não gosto da ideia de mulheres terem que marcar o corpo para evitar a falta de respeito de outras pessoas. Quando homens veem as palavras [tatuagem], nos chamam de lésbicas, e não tem problema algum se for, reprimidas e mal-amadas. Ou seja, eles ainda arranjam outras maneiras de nos insultar", declara.
Personagem de "Malhação - Vidas Brasileiras" (Globo) gravou com placa que alerta contra o assédio | Foto: TV Globo
Recentemente, a novela "Malhação - Vidas Brasileiras", da Globo, gravou uma cena de carnaval em que uma das personagens está com uma placa do "Não é não!". "Os jovens precisam estar mais antenados quanto ao tema, pois a mudança vem com as novas gerações, então fico muito feliz que isso esteja chegando também aos grandes meios de comunicação", conclui Luiza, organizadora da campanha.
Por Beatriz Gouvêa
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