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Representatividade • 29/01/2020 - 09:43 • Atualizado em: 30/01/2020 - 11:49

O poder feminino que impulsiona as escolas de samba do Recife

Não basta ter samba no pé para encarar a passarela do samba. Madrinhas, rainhas e musas de agremiações recifenses contam o que é preciso para brilhar no Carnaval

 

por Paula Brasileiro
CortesiaCortesiaJúlio Gomes/LeiaJáImagensJúlio Gomes/LeiaJáImagens

As musas, rainhas e madrinhas das escolas de samba costumam ser vistas como um dos símbolos do Carnaval do Brasil. De fato, a beleza da brasileira somada a figurinos brilhantes e o samba no pé, formam um conjunto que impressiona e encanta o folião de qualquer parte do mundo. No entanto, essas mulheres - que dedicam suas vidas ao samba e às suas escolas do coração -, são na verdade muito mais que belos corpos dançantes. São filhas, netas, profissionais, mães e esposas que fazem do Carnaval uma ferramenta de empoderamento e valorização para si próprias, para outras mulheres e para suas comunidades. 

"Quanto mais mulher, melhor", é o que diz Luciane Santos, madrinha de bateria da Escola Gigante do Samba, localizada na Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife. Integrante da agremiação há quase uma década, ela já passou pelo posto de rainha e agora, auxilia a atual realeza como madrinha. Casada e mãe de três filhos, a vigilante que dedica a vida também ao samba se orgulha de ter trazido toda a família para esse universo. Eles não desfilam na escola, mas a acompanham e a ajudam sempre que é preciso. 

O marido de Luciane, porém, demorou um pouco a se acostumar. Quando ela entrou para o samba o relacionamento chegou a estremecer: "Eu vinha para os ensaios, ele pegava as roupas e ia embora. Um dia ele mandou eu escolher entre ele e o samba, eu escolhi o samba", conta. Mas a briga logo passou e ela conseguiu mostrar ao companheiro que o seu amor pelo Carnaval poderia caminhar lado a lado ao amor deles: "Conversamos depois e ficou tudo certo. Eu consegui unir o meu amor pelo samba com o meu amor pela família. Eu não deixo de fazer as coisas por causa de outra pessoa, não vale a pena. Enquanto eu puder conciliar os dois, eu vou", afirma a passista.

                                                       

Problema semelhante viveu a atual rainha de bateria da Gigante, Aurélia Godói. As brigas em casa por conta do Carnaval acabaram resultando no fim do casamento, mesmo sendo seu ex-marido um dos componentes da mesma escola à época do divórcio. Igualmente forte e decidida, como a amiga Luciane, a rainha não deixou a coroa cair e se manteve firme em sua posição. Ela foi levada para o mundo do samba com apenas cinco anos de idade pela avó, que era dona de agremiação, e já contabiliza 23 anos de Gigante. Para vivenciar o Carnaval, há apenas uma coisa que Aurélia não abre mão: "Eu só não consigo largar a cerveja", diz aos risos. 

A força dessas mulheres pode ser contabilizada como um dos elementos que transforma cada passista em um monumento. "As rainhas, musas, e madrinhas sempre são inspiração para quem tá chegando (na escola) e para quem quem assiste. Pelo samba no pé, pela beleza, a  desenvoltura, o figurino, é um conjunto", enumera a musa da Escola Galeria do Ritmo, do Morro da Conceição, também na Zona Norte, Yara Negreiros. Com uma experiência de 14 anos à frente da bateria de uma agremiação de Natal (a escola Acadêmicos do Morro), ela acrescenta um detalhe que é indispensável a quem ocupa cada um desses postos: "Na hora que a gente vai mostrar a nossa arte, quem tá de fora percebe como a gente trata nossos desfilantes, então respeito acima de tudo, e a humildade é o segredo para o topo do sucesso. Não tem humildade, não serve para desfilar". 

Não é não

Atravessar uma avenida dançando com figurinos quase minúsculos implica desafios que vão muito além da resistência física.  Rainhas, madrinhas e musas precisam lidar diretamente com o assédio masculino. Para Yara, o segredo é manter-se firme colocando as coisas em seus devidos lugares: "Se você tem uma postura que impõe respeito às pessoas, todo mundo vai te respeitar. A minha postura é muito firme, passa respeito, então eu não tenho problema com assédio".

Já a madrinha e a rainha da Gigante do Samba, relatam já terem sido até apalpadas durante apresentações no Carnaval. Sem contar a quantidade de comentários e abusos, até mesmo pelas redes sociais. "Algumas pessoas mandam mensagens com fotos obscenas, com vídeos obscenos, é muito complicado", diz Aurélia. Elas dizem que preferem se abster de reagir por medo da violência que durante a folia de Momo costuma ficar mais exacerbada, mas Luciane faz questão de esclarecer: "No Carnaval é complicado realmente, a fantasia da gente termina sendo minúscula. Mas (o assédio) é errado, a gente tem o direito de vestir o que quiser. Essa coisa do machismo, isso tem que acabar. Eles (os homens) tem que entender que somos mulheres independentes". 

Para driblar as situações de violência, além de manterem-se firmes em suas posições, elas também se valem da ajuda dos próprios integrantes de suas escolas. A rainha da Galeria do Ritmo, Marta Valéria da Silva, no posto há 15 anos, recorre a seus batuqueiros quando é preciso apoio nesse sentido: "Eu me sinto protegida pela a bateria", diz. Ela é mãe da pequena Bárbara, de dois anos, que ‘estreou’ na passarela em 2017, dentro da barriga da mamãe passista que desfilou grávida de três meses. O futuro da menina, a despeito de todas as dificuldades, está garantido no mundo do samba. De acordo com Marta: "Ela já é presente na escola desde a gravidez".

                                                         

Amor ao samba

Outro elemento que essas passistas compartilham, em excesso, é o amor por suas escolas. Até mesmo Yara que este ano estreia como musa da Galeria do Ritmo, já é uma apaixonada declarada pela escola: "Desde 2018, eu conheci a Galeria e me apaixonei. Quando foi esse ano, que fui convidada pra ser musa, foi maravilhoso. É uma responsabilidade muito grande, estar ali na frente da bateria, ao lado da rainha e da madrinha, levantando o astral desse povo, levantando a auto estima, fazendo o empoderamento das mulheres, costumo falar que ser musa... eu sou musa do povo. Eu costumo ter empatia com o público para que eles se vejam através do meu trabalho. Quando vejo o figurino já me imagino na avenida". 

Há pouco menos de um mês para a grande festa, elas contam que dormem mal e até perdem a fome de tanta ansiedade. Todas se dedicam a seus postos cuidando de perto dos detalhes dos figurinos e participando dos ensaios. "A sensação é de honra em representar junto com a minha bateria e defender um pavilhão de uma das escolas de samba mais antiga de Pernambuco. (Fico) feliz, nervosa sempre como (se fosse) a primeira vez e grata por ver a agremiação desfilar no Carnaval mesmo com tantas dificuldades", diz Marta, a rainha da Galeria do Ritmo.

O resultado da dedicação dessas artistas é muito brilho, samba e poder na avenida. Elas poderão ser vistas e prestigiadas, junto a suas agremiações, durante mais um Carnaval do Recife. Os desfiles oficiais das escolas de samba recifenses acontecem na segunda-feira de Carnaval, 24 de fevereiro, na Avenida Nossa Senhora do Carmo, no Centro do Recife. 


 

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