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Experiência • 30/01/2020 - 14:09 • Atualizado em: 30/01/2020 - 14:10

Velha Guarda da Gigante do Samba dá aula de dedicação e amor ao Carnaval

Histórias de vida se misturam com a história da própria escola

por Paula Brasileiro
Júlio Gomes/LeiaJá Imagens Dona Odília tem 93 anos e desfila na escola desde "os tempos de menina" (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

A lembrança mais antiga de Hilton de Oliveira na Escola Gigante do Samba é a fantasia da ala de mascote que ele usou em seu primeiro desfile. Era o final da década de 1940 e o pequeno sambista iniciava sua história, vestido de fraque e cartola. "Feito uma barata", lembra aos risos.

Passadas pouco mais de sete décadas, Sr. Hilton continua se dedicando à verde e branco. Na agremiação, ele já fez de tudo um pouco. Compôs sambas, desfilou como presidente da ala de compositores e hoje faz parte da diretoria. "Escola de samba é muita coisa pra fazer pra pouco tempo de desfile. Eu digo que eu sou Bombril", comenta.

Experiente, ele é chamado de Pajé pelos demais componentes. Sua trajetória no Carnaval, somada à serenidade e ao sorriso acolhedor, dão abrigo aos mais novos, que o buscam quando precisam de orientação. O sambista, que foi levado à Gigante pelas irmãs e desfilava escondido do pai - que era fundador de uma outra escola, a já extinta Milionário do Ritmo -, hoje sonha em escrever um livro sobre a agremiação do coração. Ele já tem até um esboço que vai aprimorando aos pouquinhos enquanto prepara um Carnaval e outro. "Já pensei tanto em sair do samba, mas não dá condição, até porque, Marize Lacerda (vice-presidente de Gigante), esse pessoal, não me deixa quieto. É uma família".

                                                         

 

Outra veterana, Marluce do Nascimento, de 69 anos, chegou em Gigante do Samba aos 11 anos, levada pelo pai do seu primeiro namorado. Ela se recorda de desfilar escondida da mãe, que também era de uma outra agremiação (a Estudantes de São José) e não admitia que a filha 'debandasse' para a concorrência. A façanha de Marluce, no entanto, foi descoberta logo no seu desfile de estreia. Delatada por uma conhecida, a menina foi flagrada em plena avenida: "Disseram pra minha mãe. Sempre tem que ter um 'cabueta', né? No dia do desfile, na primeira ala, na ponta eu estava. Ela me viu e disse: 'você vai levar um cacete'. Eu troquei de lugar e continuei desfilando", conta. 

Marluce conseguiu fugir da 'coça', salva pelo padrasto, mas ficou uma semana de castigo. No ano seguinte, ela voltou à escola e foi colocada na ala das baianas, onde desfila até hoje. A única vez que ficou sem ir para a avenida foi quando a mãe faleceu. Naquele ano, ao invés de cair no samba, a baiana caiu doente, tamanha foi a tristeza de ficar fora do Carnaval. Hospitalizada, ela teve que ser medicada e amparada pelos médicos. "Fiquei muito triste, fui pra Restauração tomar remédio e tudo. Mas quando eu me lembrava da escola, as lágrimas caíam. E o médico dizia: 'se conforme, só é um ano, para o ano você brinca'. Foi bronca". 

Dona Marluce é do tempo em que os brincantes saíam da Zona Norte do Recife caminhando até o centro para desfilar. Os vencedores do campeonato carnavalesco eram anunciados pelo rádio e "quem dizia o resultado era Juca Show". Hoje, ela também dedica grande parte do seu tempo para fazer o Carnaval da Gigante acontecer, até porque a escola e a folia de Momo são seus grandes amores. "Precisando, eu ajudo em tudo. Lá na passarela, fico com o coração a mil, o suor desce, as lágrimas descem". 

                                                          

Já uma das primeiras lembranças desta repórter no barracão da Gigante do Samba é a imagem de Dona Odília no alto de um dos carros alegóricos poucos anos atrás. Ela enrolava fitas na estrutura de ferro, lá em cima, com a calma e a tranquilidade de quem está acostumada ao trabalho. pois é o que acontece desde o tempo em que ela era apenas "uma menina", como conta. Hoje, aos 93 anos de idade, a brincante é uma das primeiras a chegar no barracão e uma das últimas a sair. Ela não mede esforços para preparar o desfile e, nos carros alegóricos, é ela quem continua dando os últimos reparos de decoração. Para a brincante, que desfila na ala das baianas, o barracão é sua "segunda casa". "Vou dizer a você, quando a gente ama a Deus e ama a gente, a gente faz a coisa certa. Deus trabalha, faz de velha moça", diz dando uma pista do seu segredo de vitalidade. 

Odília precisou passar um período afastada do samba, quando casou-se e foi criar as filhas em São Paulo. Não foi um período fácil, mas assim que as três meninas estavam com suas vidas organizadas, ela voltou ao Recife e à Gigante e garante, nada vale mais a pena do que se dedicar à sua escola do coração. "É amor que eu tenho. Quando eu não puder trabalhar, eu quero que me dê uma injeção pra eu dormir e me esquecer de Gigante. Porque eu penso que até em cima da cama vou sair me arrastando", brinca.

A dedicação e disposição desses integrantes da Velha Guarda da Gigante do Samba servem como inspiração aos mais novos e orgulho aos que amam o Carnaval. Suas histórias de vida misturam-se à história da própria escola e, certamente,  o amor que nutrem pela agremiação colabora para que seus Carnavais sejam sempre de muita emoção. É Dona Odília, sempre com o sorriso largo estampado, quem tenta resumir o sentimento: "Gigante é muito forte, mexe com a gente". 

Fotos: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

 

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