
Lá se vão 30 anos desde que a banda Eddie estreou no cenário musical pernambucano com o álbum Sonic Mambo. Durante as últimas três décadas, o grupo consolidou seu nome como um dos maiores representantes da música de Pernambuco e construiu uma identidade sonora inconfundível.
Filha de Olinda, a Eddie tem uma ligação íntima com o Carnaval e do alto da sua maturidade de 'trintona' está lançando, às vésperas da grande festa, o disco Atiça, o oitavo de sua discografia, mas o primeiro totalmente carnavalesco.
Para o vocalista da banda, Fábio Trummer, o Carnaval é "a época de ouro" para a Eddie. Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, o músico falou sobre o novo disco, o frevo e a agenda de Carnaval de 2020, ainda aberta por conta de um impasse com a Prefeitura do Recife. "A gente foi convidado para fazer o Pré-Amp e a prefeitura não quer dar uma data para a gente no Carnaval. Até falamos para eles que preferimos o Carnaval. A gente fez um disco pensando no Carnaval e a gente é uma banda reconhecida fora do Estado como uma banda que dialoga com o Carnaval. A gente tá realmente disposto a não fazer (o Pré Amp) para fazer uma data no Carnaval. A gente tá na expectativa".
Confira a entrevista.
LJ - O disco traz temas difíceis mas em tom festivo, bem como a gente faz no Carnaval que é esse momento de sublimar as dores. Como vocês chegaram a esse repertório?
É bem isso. Queríamos ter um desafio, uma motivação. É o oitavo disco, a gente queria algo que nos tirasse do lugar da zona de conforto. Apesar de já ter músicas que têm um tom carnavalesco, nunca tínhamos feito um álbum. A gente decidiu fazer um disco sobre Carnaval que não falasse de Carnaval, mas acho que o social do nosso Carnaval é muito refletido nas letras porque você vai brincar em Olinda e vê desde o catador de latinha às pessoas muito sem recurso vendendo cerveja e se virando. É uma oportunidade para esse povo que não tem oportunidade nunca, então a reflexão que a gente faz no disco não deixa de ser de estar ali no Carnaval. Eu sou muito fã disso, acho que é uma coisa muito rara de acontecer no planeta e a gente tem isso aqui, então esse tipo de acontecimento que nos fez fazer um disco de Carnaval, mas com temática mais social.
Desde o primeiro disco temos essa veia mais social, a gente fala da política do cotidiano e a gente não quis falar sobre isso nos álbuns anteriores porque não tinha nada a acrescentar, agora a gente achou que tinha o que falar sobre isso, os resultados desse período de alienação política. Queríamos falar do resultado disso, não de forma partidária, mas o resultado que cai nas pessoas. Isso a gente fala no álbum, das consequências dessa polarização.
LJ - Esse ano, o homenageado do Carnaval do Recife é o Maestro Edson Rodrigues e ele tem falado muito sobre a necessidade de se cuidar melhor do frevo. Você concorda que seja um ritmo mal cuidado?
Carecemos mesmo de uma renovação, mas eu não sei se a palavra é renovação. Acho que a gente precisa de uma adaptação do frevo para os dias de hoje. Nosso Carnaval ainda vive de um passado, a gente canta os Carnavais passados, que a gente nem viveu. Eu escrevi sobre o nosso Carnaval, o que eu brinquei em ontem eu sambei, por exemplo, acho que carece ao frevo retratar o Carnaval de agora e não as lembranças que os frevos antigos nos trazem, aquela memória afetiva.
A música é tão poderosa que tem a capacidade de nos levar para essa época que a gente nem viveu, mas a gente precisa usar esse poder pra falar de agora e para as futuras gerações também serem transportados para o agora, nesse sentido acho que precisa de uma renovação. Na época do frevo a escola era diferente, a necessidade do trabalho com música era diferente do que é hoje, tudo era bem diferente, então eu acho que a gente precisa andar pra frente com o frevo.
LJ - Vocês se sentem um pouco responsáveis por esse movimento? Acredito que deve haver um público dessa nova geração que acaba conhecendo o frevo através da música de vocês.
Eu gosto de falar que nós fazemos música a partir do frevo, porque é uma música de maestros e a gente vem de uma escola que é o ‘faça você mesmo’, mas eu estou vendo cada vez mais envolvimento. Essa renovação não virá à tona facilmente, até porque temos que chegar próximo do que já foi feito, que é um nível muito alto, mas vejo muita gente praticando isso e acho que daqui a pouco teremos um número grande de excelência que esse frevo do passado nos remete.
Estamos remexendo no frevo não faz nem uma década e as coisa precisam de maturação para poderem chegar a um ponto de excelência. Estamos no caminho e jajá a gente vai ter frevos que ficarão para a posteridade. O mais importante que pode acontecer com a gente é se comunicar com quem tá chegando. O aprendizado se dá de igual maneira com quem está indo e com quem está chegando e isso é fundamental. Vivo vasculhando, tentando me aproximar dos maestros mais antigos, assim como das pessoas que estão chegando para aprender também, porque são duas forças que no final exercem a mesma pressão.
LJ - Nesses 30 anos de estrada vocês chegaram a uma estética bem particular, isso foi se construindo ao longo do tempo de forma espontânea ou foi algo proposital, buscado mesmo?
Isso é uma busca desde o início. Eu lembro de falar lá atrás, quando comecei a tocar, que o importante de uma banda é ter identidade própria e esse é nosso grande objetivo. É fazer uma música que tenha identidade própria, porque toda criação é autoral e eu tenho um lema: ou você copia ou é copiado. Temos essa vontade, quando se trata de criação, de ser copiado e não de copiar.
Acho que conseguimos, através dessa filosofia, chegar num lugar que as pessoas identificam nossa música, de ouvir a música e saber que somos nós. Mas estamos buscando mais ainda, porque a grande filosofia da nossa música é essa, é alcançar o âmago da nossa autoria, buscar nossa musicalidade que só existe na gente. É difícil porque você tem milhões de referências de pessoas que você admira e isso acaba refletindo no resultado final das músicas. Talvez seja uma busca utópica, mas é exatamente essa, chegar nesse lugar de ter nossa música própria.
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