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Maracatu • 13/02/2020 - 16:53 • Atualizado em: 14/02/2020 - 07:58

Paulistas viajam mais de 4.000km - de carona e pedalando - para tocar maracatu no Carnaval do Recife

Eles provaram que o amor ao baque virado é capaz de vencer qualquer distância

 

por Paula Brasileiro

O Carnaval é, sem dúvida, uma das maiores manifestações da cultura brasileira. A festa, grandiosa em tamanho, energia e sensações, costuma tomar conta de quem a vive e é capaz de transformar as pessoas durante seus cinco dias. Às vezes, até além desses dias. Fazer o Carnaval parece ser um capítulo à parte. Integrantes de agremiações costumam relatar histórias de amor e devoção que, muitas vezes, são até difíceis de acreditar. E esses apaixonados estão espalhados por todos os lugares. A exemplo de Caroline e Victor, que saíram de São José dos Campos, interior de São Paulo - ela de carona e ele de bicicleta - com destino a Jaboatão, Região Metropolitana do Recife, para tocar maracatu no Carnaval pernambucano. 

Juntos, os dois percorreram mais de quatro mil quilômetros, cruzando estradas, conhecendo todo tipo de gente e vivendo uma verdadeira aventura com o objetivo de se integrar à sua nação do coração, o Aurora Africana. Ambos foram convidados a virem para Jaboatão quando Danillo Mendes, mestre do Aurora, passsou pelo interior de São Paulo, em meados de 2019, dando oficinas e levando o baque de sua nação para os batuqueiros paulistas. O convite fez brilhar os olhos de Ca e de Victor, o Tito, e, a partir daí, cada um começou a elaborar como e quando chegaria a Pernambuco. 

Caroline Borriello, a Ca, tem 27 anos e trabalha como tatuadora, educadora social e produtora cultural.Ela já havia feito pequenas viagens pegando carona, mas esta foi a primeira vez que passou tanto tempo na estrada e percorreu tantos quilômetros. Em exatos 30 dias, ela viajou aproximadamente 2.700 km, subindo em caminhões, dormindo em postos de gasolina e contando com a ajuda de desconhecidos. Esta também é a primeira vez que a batuqueira paulista - que conheceu o maracatu há cerca de cinco anos -, pisa em solo pernambucano. "Sempre foi um sonho (conhecer Pernambuco) por conta do maracatu, de ver o maracatu na rua, vivenciar uma nação. Lá a gente estuda e brinca  a percussão do maracatu mas a gente sabe que é uma tradição muito mais profunda do que a gente acessa no Sudeste". 

O sonho que, a princípio, parecia distante, se materializou quando a jovem decidiu fazer o trajeto de carona. Focado em seu destino final, ela conta que se apegou à fé e aos pensamentos positivos para vivenciar a aventura. Ela garante que não passou muito 'perrengue' na estrada e se surpreendeu com a quantidade de ajuda que encontrou pelo caminho. "Eu me surpreendi de todas as maneiras possíveis, acho que a principal delas é que a gente precisa acreditar que tem muitas pessoas boas no mundo. Pra mim foi desafiador ter que acreditar que aquelas pessoas eram boas mas eu dependia disso pra aceitar qualquer carona e qualquer ajuda". 

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--> Os vários sotaques do maracatu 

A 'caixeira' (ela vai tocar caixa durante o Carnaval), garante que em nenhum momento hesitou. Mas conta algumas estratégias que usou para se manter segura durante o caminho, como evitar caronas em carros e caminhões pequenos, estar atenta às placas dos veículos e respeitar seus próprios limites. "Eu encaro tudo como desafio, levo tudo muito numa boa. Mas nessa noites que eu passava no posto (de gasolina), eu tinha que dormir com um olho no peixe, outro no gato. Mas eu não deixava o medo me dominar", afirma. 

Quando chegou em frente à sede do Aurora Africana, chamado de barracão, a emoção foi tamanha que a batuqueira mal sabe explicar a sensação. " Quando eu cheguei aqui, eu tremia dos pés a cabeça, acho que demorei uns três dias pra entender que eu tava aqui. É uma sensação que eu não sei explicar, de realização e de sentir que a gente consegue. é muito louco essa sensação de potência mesmo, foi muita emoção. A energia do maracatu me preenche, é uma potência. É muito especial, não tem como definir". 

Já Victor Dantas, o Tito, de 33 anos, ex-trabalhador da construção civil que agora vai se dedicar à música e ao teatro, decidiu subir na Galáxia, sua bicicleta, no dia sete de janeiro, com destino a Jaboatão. Ele pedalou pouco mais de 1.500 km em direção ao seu sonho, disputando espaço com caminhões, levando 'fino' na estrada e, também, contando com a solidariedade dos que encontrava pelo caminho. "Eu bolei todo um esquema. Dentro de um mês arrumei a bicicleta, consegui um trabalho para matar umas dívidas que estavam faltando e ficar com uma reserva pra vir".

A viagem foi longa e cansativa, mas a vontade de conhecer mais de perto a nação Aurora e tocar no Carnaval do Recife o impulsionavam a cada pedalada. Ele começava o dia às 5h30 e só terminava por volta das 22h, quando o corpo pedia para parar. "Eu me emocionei muito durante a viagem, chorei muito me vendo aqui tocando", conta Tito. Durante o trajeto ele precisou enfrentar algumas dificuldades. A bicicleta quebrou umas três vezes e ele mesmo fez as vezes de mecânico. O cronograma também saiu um pouco do planejado e ele teve que acelerar os últimos dias pegando uma carona e completando o percurso de ônibus. 

Tito chegou a Jaboatão na última quarta (12). Ou melhor, seu corpo físico chegou, porque a emoção do batuqueiro - que vai tocar tambor no Aurora Africana neste Carnaval -, ainda não lhe permitiu entender de fato que a viagem 'acabou' bem. "Eu tô aéreo, acho que eu não me toquei ainda. Eu sou batuqueiro novo, comecei em 2017, então é tudo muito novo. Conhecer uma nação diferente, um baque diferente, é tudo muito novo. Tô conhecendo muita coisa toda hora". A viagem de Tito vai virar um espetáculo teatral que ele vai apresentar em algumas cidades quando voltar para casa. 

Uma família que só cresce

Danillo e os batuqueiros que vieram do interior de São Paulo conhecer de perto o Aurora Africana.

Fazer parte de uma nação de maracatu é o mesmo que integrar uma família. Os componentes costumam compartilhar as lutas e as glórias de fazer um Carnaval, a despeito da falta de recursos e estrutura, se ajudando em todos os detalhes, desde a costura de um figurino até a apresentação nas ruas durante o Carnaval. 

É comum que as nações de Pernambuco recebam e acolham integrantes de fora. Eles vêm de vários estados brasileiros e, também, de outros países, como Canadá e Europa. E como Ca e Tito, não costumam medir esforços para chegarem e somar com suas nações escolhidas. Para Danillo, mestre do Aurora Africana, a alegria de receber esses batuqueiros é imensa. "Eu acho que, é uma troca recíproca mas injusta por conta de todo esse esforço (deles). Acho que mexe com o ego geral da nação. Ver o esforço, a dedicação. Com isso a gente leva em conta a força que o maracatu tem. E a gente quer fazer essa troca, deles virem, conhecerem, aprenderem, e poderem levar isso pra vida".

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