
Em Pernambuco, terra onde as manifestações culturais são quase incontáveis e muito diversas, existe um ritmo que vai muito além de ser apenas música. De tão grandioso, o brega virou um verdadeiro movimento, capaz de fazer circular a economia nas periferias do Recife, capital do Estado, além de ditar moda e comportamentos nas comunidades e, até mesmo, fora delas.
Em 2017, o brega foi oficialmente inserido na lista de manifestações culturais de Pernambuco, por conta da lei nº 16.044/2017, de autoria do ex-deputado Edilson Silva. A vitória dos bregueiros, no entanto, esbarrou em alguma resistência da sociedade e, à época, o então secretário de cultura do Estado, Marcelino Granja, garantiu que a lei não mudaria muita coisa e que o ritmo continuaria de fora de ciclos festivos como o Carnaval e São João. No ano seguinte, foi instituído o Dia Municipal do Brega, resultante do projeto de lei criado pelo vereador Wanderson Florêncio (PSC).
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Comprovando seu caráter de resistência, o brega foi ocupando, de vitória em vitória, espaços cada vez maiores na sociedade pernambucana. Rompendo as barreiras da periferia, o estilo tem levado seus artistas a se apresentarem nas casas de shows mais badaladas do Recife e também nos palcos mais improváveis. Em 2020, um dos shows que marcam a abertura oficial do Carnaval recifense, no dia 21 de fevereiro, no Marco Zero, será o da cantora Priscila Senna, a Musa. Ela será responsável por comandar o principal polo da festa após as apresentações de tradicionais artistas do Carnaval, como os Maestros Edson e Forró e o Bloco das Flores.
Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, Priscila se disse "radiante" com a oportunidade. Para a cantora, esse momento será um verdadeiro "divisor de águas" em sua carreira e a chance de vários turistas conhecerem melhor o brega pernambucano. "Estou muito feliz e emocionada com essa responsabilidade. O Brega é um movimento musical do Recife que veio da periferia e tomou conta dos quatro cantos do Estado e vários lugares do país. Acho que é um espaço muito merecido e que valoriza muito o trabalho que é feito por tantos artistas que se dedicam muito à música”.
Mas a chegada do movimento ao Carnaval não é, de todo, uma novidade. Em 2019, já houve uma abertura de espaço para alguns artistas dessa cena também no principal palco da festa. O espetáculo de abertura, realizado no Marco Zero, teve um bloco todo destinado à essa cultura e os artistas Kelvis Duran, MC Bruninho e Michelle Melo foram os representantes do segmento na ocasião. Michelle, a Rainha do Brega, celebra até hoje a conquista: "O coração fica sem saber o que falar, porque não dá pra mensurar o tamanho da emoção que é (ver) algo que você acreditou durante anos finalmente tomando forma, tomando corpo e tomando o seu devido lugar. O brega tem o direito de fazer parte de todos os dias do ano na cultura do nosso Estado tendo em vista que o ano inteiro ele é realidade na vida dos pernambucanos". Ela estará, novamente esse ano, no palco do Marco Zero, no Sábado de Carnaval, participando de uma noite só de mulheres.
Michelle Melo esteve no polo Marco Zero em 2019 e voltará em 2020. Foto: Divulgação.
A rainha protagonizou momentos marcantes, também, quando da aprovação da lei que reconheceu o brega como expressão cultural de Pernambuco, em 2017. Através de suas redes sociais, ela falou aos fãs, em lágrimas, sobre a importância e a emoção de ver o seu estilo musical ganhando mais destaque e respeito. Hoje, ela é um das artistas que colhe os frutos dessa luta. "O maior responsável (pelo reconhecimento do brega) é a garra do nosso povo, a garra das pessoas que moram na periferia que não aceitaram simplesmente não ter o direito de sonhar por não ter condições financeiras e que se determinaram a alçar vôos próprios tentando cada dia mais lutar por aquilo que eles acreditaram. Porque na realidade, o brega é a música do povo, feita para o povo e pelo povo. Então, se existe algum responsável, é a coragem que temos, cada um de nós que somos pernambucanos porque somos uns dos povos mais guerreiros, com certeza".
As cantoras, duas das mais reverenciadas dentro dessa cena, aproveitam a boa fase do brega não só para alavancar suas próprias carreiras como o próprio movimento como um todo. Nos palcos carnavalescos, elas aproveitam para multiplicar suas vozes abrindo espaço, também, para os colegas de profissão. Priscila promete uma apresentação que contemple os momentos marcantes da história do brega relembrando nomes que contribuíram para a construção e fortalecimento do segmento. E ela não teme críticas daqueles mais conservadores que ainda acreditam que ali não é o seu lugar.
Do mesmo modo, Michelle Melo defende os seus e ignora quem insiste em virar as costas para o brega. "Eu não me intimido nem tenho medo de forma alguma. Até porque a maioria das críticas são feitas por pessoas que não conhecem o movimento, porque qualquer pessoa que se determine a conhecer o movimento brega de verdade vai entender que é um movimento lindo que merece sim muito respeito".
Mas, e o bregafunk?
Em 2020, até o Carnaval de Olinda, famoso pelos seus blocos e pelo frevo, abriu um espaço para o brega. No polo instalado em Rio Doce, batizado de Braziliano, o público contará com shows da própria Michelle e de Kelvis Duran, Amigas, Nêga do Babado e Banda Camelô.
Mas, apesar da maior flexibilidade dos responsáveis em montar as grades carnavalescas do Recife e de sua cidade-irmã, é aparente a preocupação em convocar artistas tidos como 'tradicionais' ou do 'brega romântico'. Aqueles que fazem o bregafunk, por exemplo, ainda parecem estar um pouco distante desses palcos. Para Priscila, tudo deve se acomodar com o tempo. "Todo mundo merece seu espaço e tudo tem seu tempo. Torço muito para que todos os estilos possam se apresentar nos palcos espalhados pela folia".
Já Michelle Melo, recusa a rotulação de estilos para justificar quem ganha espaço e quem não ganha. "Eu acho que o mais importante é termos os moradores da periferia mostrando seu valor, sua determinação e o seu amor ao movimento. Seria hipocrisia da minha parte tentar justificar o preconceito de outras pessoas com alguns amigos de trabalho, tentando me exaltar para diminuir alguém. O brega não é isso. O brega é justamente dar a mão, união". O LeiaJá tentou contato com alguns artistas do bregafunk para repercutir sua participação no Carnaval pernambucano mas não conseguiu retorno até o fechamento desta matéria.
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