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Camarote • 24/02/2020 - 21:15 • Atualizado em: 26/02/2020 - 14:53

“Padrão” Carvalheira foge à espontaneidade do carnaval de rua

Apesar da organização impecável e do esforço da produção, só falta ao camarote reproduzir a diversidade característica da folia pernambucana

por Marília Parente
Estrutura da boate impressiona, mas é aparentemente desconectada do carnaval do Estado Arthur Souza/LeiaJáImagens (Estrutura da boate impressiona, mas é aparentemente desconectada do carnaval do Estado)

 

Uma vez que se cruza os portões do Carvalheira na Ladeira, um dos mais imponentes camarotes do Carnaval de Pernambuco, montado no Memorial Arcoverde, em Olinda, a pouco mais de 5 km do Centro Histórico da cidade, o que se encontra é uma ambiente quase que essencialmente oposto ao daquele que notabilizou o carnaval pernambucano. Lá, as estrelas da festa não são o frevo, o maracatu, a festejada “irreverência do folião pernambucano” e nem sequer os próprios artistas de gêneros como sertanejo, música eletrônica e axé music, que dominam a programação. O que o público entrevistado pelo LeiaJá, neste domingo (24), procura no espaço é o que o evento vende como sendo o “Padrão Carvalheira”: conforto, organização, excelência no atendimento e “gente bonita”.

A advogada Majuí Arruda se programou para ir ao camarote em três dos quatro dias de carnaval. Um investimento alto, levando em consideração que o valor inicial dos ingressos foi de R$ 550. Nos dias da festa, é possível observar cambistas vendendo entradas por até R$ 1 mil. “Não que a ladeira não seja boa, mas aqui a experiência é incrível, unimos conforto e diversão. São realidades completamente diferentes”, comenta Majuí. Já o fisioterapeuta Cleiton Fernandes afirma não sentir falta do “calor” e do “fervo” das ladeiras de Olinda. “A gente poderia ter chegado um pouco mais tarde por conta do sol, mas a gente conseguiu ficar no ar condicionado e foi ótimo. Podemos ver o telão do lado da festa, é a mesma coisa de a gente estar na festa”, coloca.

Advogada Majuí Arruda se programou para passar três dos quatro dias de carnaval no camarote. (Arthur de Souza/LeiaJá Imagens)

O advogado Erlon Albuquerque também frisa o conforto proporcionado pela mega estrutura. “É singular o que se oferece de banheiro, bebida e alimentação. A questão do espaço com ar condicionado é importante, porque Recife é quente. É um local com serviço de qualidade ‘top’ e preço ‘razoável’”, defende.

Estrutura

A suntuosa estrutura inclui praça de alimentação com diversos restaurantes, open bar, stands de empresas como Trident e Sephora, do ramo de cosméticos. O excesso de marcas é curiosamente aceito pelo público, que até utiliza os espaços “instagramáveis” de empresas como Skol e do gin Beefeater para compartilhar com os seguidores a presença no camarote. O ponto mais disputado para fotografias, no entanto, parece ser aquele que contém a marca do próprio “Carvalheira na Ladeira”. Além do palco principal e da boate, há um pequeno palco na entrada do evento, em que o frevo recebe os visitantes. O gênero, contudo, parece não empolgar o público, assim como os caboclinhos e caretas que circulam pelo camarote.

Uniformizados com seus abadás, os presentes pouco lembram os coloridos foliões das ladeiras de Olinda, até porque, em geral, não correspondem a esse perfil. De acordo com a organização do evento, 59% do público do Carvalheira na Ladeira é composto por turistas, muitos deles disputados a ferro e fogo com as arenas privadas de Salvador, capital da Bahia, onde a “camarotização” da folia é considerada danosa por diversos artistas e figuras públicas. Em 2014, o cantor Ricardo Chaves, um dos precursores do carnaval baiano, chegou a afirmar: “Os cantores passam de costas para pipoca e olham para o camarote, sendo que o povo que está no camarote não está nem aí para o cantor, porque quem está no camarote consome um outro tipo de público,  não o carnaval de Salvador. O carnaval não é mais o mesmo”.

Dentre os locais "instagramáveis", uma roda gigante e o espaço montado por uma das inúmeras marcas ligadas ao evento. (Arthur de Souza/LeiaJá Imagens)

Esforço de produção

Durante os quatro dias de programação, o Carvalheira na Ladeira inclui pelo menos um artista local no palco principal. De acordo com a assessoria de imprensa do evento, há três anos, a startup “Women Friendly” treina o staff para atuar em casos de assédio contra as mulheres. O evento também é preparado para atender pessoas com necessidades especiais. “Neste ano, além de estrutura adaptada, banheiros acessíveis, cardápios em braile na praça de alimentação, guias videntes para cegos e intérpretes de Libras no palco, o bar e a equipe de fotógrafos do Carvalheira na Ladeira também conta com profissionais portadores de síndrome de down, gerando representatividade para o público”, escreveu a assessoria.

Produção tenta incluir cultura local no camarote, mas reação do público é quase sempre apática. (Arthur de Souza/LeiaJá Imagens)

Em 2020, outra meta do evento é destinar 90% do lixo produzido no camarote para reciclagem e compostagem, transformando-se no primeiro evento com selo “Lixo Zero” no Estado. “A iniciativa estabeleceu parceria com a associação dos catadores de lixo de Olinda e empregou toda a mão de obra oriunda da instituição para realizar a seleção dos resíduos durante a montagem, evento e pós-evento”, completa a assessoria de imprensa.

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