
Uma vez que se cruza os portões do Carvalheira na Ladeira, um dos mais imponentes camarotes do Carnaval de Pernambuco, montado no Memorial Arcoverde, em Olinda, a pouco mais de 5 km do Centro Histórico da cidade, o que se encontra é uma ambiente quase que essencialmente oposto ao daquele que notabilizou o carnaval pernambucano. Lá, as estrelas da festa não são o frevo, o maracatu, a festejada “irreverência do folião pernambucano” e nem sequer os próprios artistas de gêneros como sertanejo, música eletrônica e axé music, que dominam a programação. O que o público entrevistado pelo LeiaJá, neste domingo (24), procura no espaço é o que o evento vende como sendo o “Padrão Carvalheira”: conforto, organização, excelência no atendimento e “gente bonita”.
A advogada Majuí Arruda se programou para ir ao camarote em três dos quatro dias de carnaval. Um investimento alto, levando em consideração que o valor inicial dos ingressos foi de R$ 550. Nos dias da festa, é possível observar cambistas vendendo entradas por até R$ 1 mil. “Não que a ladeira não seja boa, mas aqui a experiência é incrível, unimos conforto e diversão. São realidades completamente diferentes”, comenta Majuí. Já o fisioterapeuta Cleiton Fernandes afirma não sentir falta do “calor” e do “fervo” das ladeiras de Olinda. “A gente poderia ter chegado um pouco mais tarde por conta do sol, mas a gente conseguiu ficar no ar condicionado e foi ótimo. Podemos ver o telão do lado da festa, é a mesma coisa de a gente estar na festa”, coloca.
Advogada Majuí Arruda se programou para passar três dos quatro dias de carnaval no camarote. (Arthur de Souza/LeiaJá Imagens)
O advogado Erlon Albuquerque também frisa o conforto proporcionado pela mega estrutura. “É singular o que se oferece de banheiro, bebida e alimentação. A questão do espaço com ar condicionado é importante, porque Recife é quente. É um local com serviço de qualidade ‘top’ e preço ‘razoável’”, defende.
Estrutura
A suntuosa estrutura inclui praça de alimentação com diversos restaurantes, open bar, stands de empresas como Trident e Sephora, do ramo de cosméticos. O excesso de marcas é curiosamente aceito pelo público, que até utiliza os espaços “instagramáveis” de empresas como Skol e do gin Beefeater para compartilhar com os seguidores a presença no camarote. O ponto mais disputado para fotografias, no entanto, parece ser aquele que contém a marca do próprio “Carvalheira na Ladeira”. Além do palco principal e da boate, há um pequeno palco na entrada do evento, em que o frevo recebe os visitantes. O gênero, contudo, parece não empolgar o público, assim como os caboclinhos e caretas que circulam pelo camarote.
Uniformizados com seus abadás, os presentes pouco lembram os coloridos foliões das ladeiras de Olinda, até porque, em geral, não correspondem a esse perfil. De acordo com a organização do evento, 59% do público do Carvalheira na Ladeira é composto por turistas, muitos deles disputados a ferro e fogo com as arenas privadas de Salvador, capital da Bahia, onde a “camarotização” da folia é considerada danosa por diversos artistas e figuras públicas. Em 2014, o cantor Ricardo Chaves, um dos precursores do carnaval baiano, chegou a afirmar: “Os cantores passam de costas para pipoca e olham para o camarote, sendo que o povo que está no camarote não está nem aí para o cantor, porque quem está no camarote consome um outro tipo de público, não o carnaval de Salvador. O carnaval não é mais o mesmo”.
Dentre os locais "instagramáveis", uma roda gigante e o espaço montado por uma das inúmeras marcas ligadas ao evento. (Arthur de Souza/LeiaJá Imagens)
Esforço de produção
Durante os quatro dias de programação, o Carvalheira na Ladeira inclui pelo menos um artista local no palco principal. De acordo com a assessoria de imprensa do evento, há três anos, a startup “Women Friendly” treina o staff para atuar em casos de assédio contra as mulheres. O evento também é preparado para atender pessoas com necessidades especiais. “Neste ano, além de estrutura adaptada, banheiros acessíveis, cardápios em braile na praça de alimentação, guias videntes para cegos e intérpretes de Libras no palco, o bar e a equipe de fotógrafos do Carvalheira na Ladeira também conta com profissionais portadores de síndrome de down, gerando representatividade para o público”, escreveu a assessoria.
Produção tenta incluir cultura local no camarote, mas reação do público é quase sempre apática. (Arthur de Souza/LeiaJá Imagens)
Em 2020, outra meta do evento é destinar 90% do lixo produzido no camarote para reciclagem e compostagem, transformando-se no primeiro evento com selo “Lixo Zero” no Estado. “A iniciativa estabeleceu parceria com a associação dos catadores de lixo de Olinda e empregou toda a mão de obra oriunda da instituição para realizar a seleção dos resíduos durante a montagem, evento e pós-evento”, completa a assessoria de imprensa.
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